NÓS, OS IDIOTAS ÚTEIS, COM ORGULHO







Uma passadinha no Google e a gente facilmente descobre que a etimologia grega da palavra “idiota” remete a uma pessoa que se aparta da vida pública, já que “ídhios” significa “privado”, no sentido daquele indivíduo que se recolhe da vida social. Pesquisando um pouco mais, descobrimos que idiota também pode significar simplório, destituído de esperteza - características exigidas daquele que se atreve a viver em sociedade.

A literatura bebeu dessa fonte para criar personagens como o Dom Quixote, de Cervantes; o Pangloss, de Voltaire (talvez Candinho também); Pickwick, de Dickens; e, sobretudo, o Príncipe Míchkin, de Dostoiévski. O que essa gente tem em comum? Eles encarnam a ideia de um indivíduo puro, distante das corrupções sociais e, por isso, inadequado socialmente. Como idiota, ele se vê em contradição com seu tempo. Bondoso e sincero, o idiota se opõe ao mundo da busca por sucesso, honras e dinheiro. Embora menos racional, o personagem de Dostoiévski, por exemplo, é generoso e intuitivo, a ponto de ver além dos demais e captar a essência mesma de cada ser humano. A sua é, por isso, uma vida alternativa ao sistema perverso que move a sociedade.

Nietzsche chamou Jesus de Idiota para distanciar-se das ideias de “gênio” ou “herói”, advindas da literatura tradicional e requentadas pelo historiador francês Ernest Renan. O caso é conhecido: por não entender o sentido do epíteto, a irmã do filósofo excluiu-o das páginas publicadas postumamente. Nietzsche, contudo, não usara o termo em sentido pejorativo, mas em sentido grego: Jesus era idiota na medida em que se distanciava dos valores vigentes. Nobre de espírito, ele era visto como o autêntico cristão, na verdade o único, posto que o Cristo fora uma invenção de São Paulo. É como se Jesus estivesse acima da moral decadente, acima dos valores que orientam a sociedade. Ele é idiota na mesma medida em que é um espírito livre, alguém que ensina não com a palavra e com os olhos no além-mundo, mas com a prática e os pés fincados na vida concreta.

Todo idiota, assim, é muito útil para a vida social. Ele coloca em descrédito os valores vigentes e expõe as podridões de seu tempo. Com sua ingenuidade, ele assinala o que há de pior na vida pública, contra a qual ele volta sua ironia translúcida. O idiota, porque se faz um solitário, inaugura novas práticas sociais. 

Ao contrário do que quis o presidente, nós os idiotas, somos úteis na medida em que nos colocamos no lado inverso das coisas. A partir desse ponto de vista, pode-se ver com mais clareza. E nesse momento da história, o que vemos, de tão desanimador, assusta. Mas, como idiotas, vamos à praça do mercado e entramos na escuridão social com as lanternas acesas, como aquele idiota-mor, Diógenes o Cínico, gritando sem cessar: “cadê o ser humano?” Como se disséssemos, cadê a humanidade do homem, tamanha a imbecilidade reinante - que nada tem a ver com a nossa útil idiotice, porque ao contrário desta, aquela está marcada pelo ressentimento e pela intolerância típica dos homens envenenados.









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