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Mostrando postagens de maio, 2020

SOBRE A REUNIÃO MINISTERIAL E A UTILIDADE DA VERGONHA

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A vergonha é um dos valores coletivos mais úteis e necessários. Desde a infância, ela nos prepara para os limites impostos pela vida social. A palavra vem do latim verecundia e remete ao comedimento, à discrição, ao pudor e ao respeito. Sem isso, a vida social perde suas liturgias e recaímos facilmente em uma barbárie de insultos, afrontas e desacatos, cujo último degrau é a violência. Dessa forma, a vergonha é uma condição psicológica de controle dos comportamentos. Ela nos ensina que nem tudo pode ser dito, feito ou até mesmo pensado e, sendo assim, trata-se de uma virtude antecipatória e profilática, que nos prepara para evitar o pior. A vergonha, por isso, precede a culpa e até mesmo o remorso: por vergonha, deixamos de fazer as coisas que certamente trarão arrependimento posterior. Quem tem vergonha não diz tudo o que pensa e não faz tudo o que quer. Ele primeiro avalia suas atitudes e como elas podem afetar a vida dos outros e como os outros passam a vê-lo

PLÍNIO E EU, UM METAPLASMO

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Plínio é o meu cãozinho. E, até onde imagino, eu sou dele. Escrevo esse texto com meu braço apoiado sobre seu corpo magro de animal diferente de mim, cujos sentimentos, afetos e mundos se entrecruzam, contudo, com os meus, traduzindo aquela espécie de simbiose proposta por Donna Haraway no seu Manifesto das espécies companheiras [ The companion species manifesto: dogs, people and significant otherness ]. Para a autora, viver com um animal de companhia é promover um “metaplasmo”, conceito que ela empresta da fonética para significar as alterações recolhidas por um ser ao longo da sua história, seja pela adição, supressão ou modificação de elementos ou aspectos. É o exemplo das afetações comuns que temos na vida entre os animais não-humanos: ambos, nós e eles, somos alterados na vida comum, cada um a partir de seu universo. Algo que seria assunto de uma bioantropologia requintada, capaz de deixar cada ser no lugar que lhe é próprio, para recolher suas intersecções.   Plíni

DUAS LIÇÕES DO CORONAVÍRUS: JÁ SABEMOS O QUE DEVE SER FEITO, MAS AINDA NÃO SABEMOS SE QUEREMOS FAZÊ-LO

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A situação inédita que estamos vivendo, ainda está para ser compreendida e explicada. Há muitas hipóteses. Dois aspectos, contudo, se sobressaem: o coronavírus, de um lado, evidencia que os políticos brasileiros, encabeçados pelo presidente da república e seu ministro da fazenda, estão aproveitando a pandemia para avançar a planejada pauta neoliberal que ameaça as garantias sociais e os direitos humanos; e de outro, que nossas duas maiores crises civilizacionais (a desigualdade social e a emergência climática) permanecem como desafios para agora e depois. DESIGUALDADE SOCIAL A pandemia evidenciou o maior e mais infame aspecto de nossa sociedade: a desigualdade social que persiste no Brasil como um câncer, desde sempre. Se é verdade que o vírus entrou no país pela casa das elites viajantes, agora a taxa de letalidade vem aumentando exorbitantemente nas áreas periféricas e interioranas e nas regiões mais carentes, onde falta estrutura e quase tudo. Nesses lugares estão p