PRECISAMOS DO BOM ESPÍRITO DO CARNAVAL PARA O RESTO DOS NOSSOS DIAS




Alguns já dizem que esse é o carnaval mais politizado dos últimos tempos. Parece mesmo. O senso crítico espalha-se pelos trios, blocos e desfiles, incomodando conservadores e coronéis (como aquele mineiro, que afinal, foi obrigado a se render ao espírito da anticerimônia; avisaram-lhe que esse não é tempo de interdições). Mensagens ambientais são anunciadas em enredos e alegorias com a potência das boas novas. Há esperança no ar. Gente nas ruas. Beleza e nudez nos corpos. Corpos transgridem as normas sociais, fazendo a metamorfose das rainhas que descem das favelas. Invertem-se as lógicas. Homens vestem-se de mulheres. Mulheres traduzem outras liberdades. 

E tem a música. Um pouco de tudo e até samba bom, velho ou rejuvenescido, que corre pelas veias no som dos tambores, feitos de pele de outros corpos. Há cores por todo lado, risos, beijos e aquele tipo de excesso próprio dos interregnos, quando quebram-se interdições em nome da liberdade de criticar o governo de ontem enquanto o de amanhã não chega. 

Nesse carnaval, gente renasce como fênix, conjuradíssima, de muitas cores. Faz bem pra sociedade, que reaprende a intensidade das alegrias. Evocam-se os deuses do povo que, sincréticos e miscigenados, não são chatos e nem bedéis, mas protetores de todos. E todos parecem irmanados na mesma noite interminável, sem preconceitos, ódios ou violências. 

O país, não por acaso, espera o carnaval para começar o ano. Tudo é feriado, dias afora. Pulmões a pleno vapor. Gente saindo pelos ralos.

Mas quarta feira... as cinzas retornam. Há quem não se importe mais com os problemas pátrios. O país volta aos delitos cotidianos. As redes se enchem de bizarrices e intolerâncias. O ódio amanhece nos travesseiros, anda em carros de luxo, sobe os elevadores, chega nas mesas bem montadas. Os políticos voltam do feriado com dentes mais afiados. Mais asquerosos e usurpadores do que nunca. O povo mais apático, porque mais aliviado pela catarse. O bom espírito do carnaval, afinal, parece ter sido apenas uma espécie de sonho que, terminado, não passa de uma brisa na tempestade da alienação. Ele mesmo, esse espírito, não parece ter sido mais do que isso: um vento distraído. 

A gente, na quarta, volta àquela ironia de sempre: Sorria, tudo vai mal

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