COM PLÍNIO, MINHA CASA É UM PARAÍSO DOMÉSTICO










Mora na minha casa um animal sereno. Ele tem um pouco de mim e quase tudo de si mesmo. Ele se abre para os silêncios dos meus livros, os pratos, os quadros, os panos todos. Sua empresa ocorre pelas sombras, nos reflexos e nas aragens como eu mesmo nunca teria imaginado fazê-lo. Ele sabe mais da minha casa do que eu, porque ele vê tudo desde baixo, com o olhar horizontal de quem, grudado ao chão com suas quatro patas, ainda carrega as antigas ligações entre animais, vegetais e a terra. O homem não. O homem vê sempre de cima, verticalizando suas ideias, derramando suas objeções. Plínio tem essa preponderância de ensinar coisas desconhecidas. Professor sem disciplina, a sua lição é o exemplo da vida doméstica, da celebração da casa como paraíso doméstico.

Habitando na minha casa, ele aprende a me esperar. Eu, quando chego, aprendo a lição da gratuidade revelada no sorriso que eu neguei para muitos durante os dias de correrias e afazeres, rendidos à soberania da pressa e do desempenho que me enquadram. A ele não; ele permanece livre e, como um reservatório, devolve para mim, como um dom, no final do dia, a toda hora, conforme a precisão, a liberdade em corredeiras. Ele é fonte. Pulando de um lado para o outro, ele festeja a minha chegada e entende as minhas partidas, louvando minha presença com o rabinho em riste.

Na casa, desde baixo, ele espalha seus brinquedos, como devem ser os paraísos, cheios de diversão. Plínio passa o dia entre ursinhos e bolas, na mais infinita pureza. É nesse lugar que ele se torna aquilo que Kundera escreveu: "os cães são o nosso elo com o Paraíso". Presume-se que, com ele, o Paraíso seja o encontro entre o homem e o animal, entre mim e minha própria animalidade. O Paraíso, para o qual eu sou devolvido, está em mim mesmo, no meu corpo, nos meus instintos, na minha natureza mesma. Não foi à toa que Isaías, na Bíblia, descreveu a cena com lobos almoçando junto com cordeiros e bois dividindo a palha com leões. Ali, naquele paraíso, como mostrou Agamben, no seu O Aberto, prova-se a paz definitiva que nasce do encontro entre gentes e bichos. Esse mesmo encontro que eu celebro todos os dias quando encontro o Plínio no umbral da nossa casa.






Comentários

  1. Jelson, vc coloca luz e magia em suas palavras. Impossível nao se encantar, com oque vc escreve. Parabéns e obrigada por clarear meus dias com seus escritos. Um bjo!
    Preciso

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