O PERIGO NÃO É SÓ TRUMP, MAS QUEM GANHOU COM ELE






Não quero falar sobre a verborragia, os insultos e a estupidez dele. Nem lembrar que ele foi tirado da escola aos 13 anos por ter batido em seu professor. Nem que ele é um magnata que embarca em qualquer ideologia política de direita com a mesma desenvoltura que sobe em seu Boeing 757 privado. Não quero escrever sobre esse homem que promete impedir o Acordo de Paris, erguer um muro contra o México e perseguir imigrantes e outros indesejados. Nem escrever que ele sonegou impostos durante anos e se achou inteligente por isso. Nem sobre seu fascismo descarado, sua misoginia, homofobia e todas as doenças que deviam estar sepultadas no mundo de hoje, mas não. Nem sobre o estrago nas bolsas que a sua eleição provocou. Nem sobre o silêncio e o susto estampado no rosto de qualquer pessoa decente.
Não. O que mais me preocupa não é necessariamente a vitória desse homem, possibilidade já premeditada na escolha do menos pior entre dois. O que mais me preocupa é quem ganhou com ele, quem celebra nessa manhã o seu triunfo e o que isso representa. Tremo por imaginar que essa gente se sente agora encorajada, que volte a acreditar que o seu mundo de preconceitos e discriminações tem apoio popular, que suas encomendas de horrores, privilégios e violências seja de novo possível. Alguns desses nomes passaram a noite celebrando a sua própria vitória em taças de cristal Diamonds in Glass, entre os quais está Jean-Marie Le Pen, o perseguidor de imigrantes na França e David Duke, o ex-líder da Ku Klux Klan, organização violenta defensora da supremacia branca norte-americana. Essa gente mata de novo os sonhos de Luther King, de Harvey Milk, Angela Davis e sua gente. 
A frase de Duke publicada hoje nos jornais não poderia ser mais reveladora a respeito do passado (ops!, digo, futuro) sombrio que nos espera: “Deus o abençoe. É hora de fazer a coisa certa. É hora de tomar a América de volta”. A frase é reveladora porque ela traduz alguns dos sentimentos mais terríveis de nossos tempos: a ideia de que um país pode ser de uns e não de outros, a ideia de que um país pode ser tomado de volta para os privilégios de alguns contra os direitos de outros e a ideia de que Deus pode abençoar esse ato. Engana-se quem acha que Duke não passe de um histriônico ou que esse tipo de pensamento seja minoritário. A vitória de Trump é a prova contrária: ganhou o mal revestido de fanfarronice (o pior tipo de banalidade), o que significa que seu discurso tem maioria nas terras do tio Sam.  A vitória de Duke trouxe a Ku Klux Klan para o centro do cenário político mundial. Tirou o Le Pen do ostracismo, deu voz ao ultra-direitista russo Yirinovski e até a Bolsonaro, que prometeu fazer o mesmo no Brasil em 2018, deus nos livre, amém. 
Ganharam com Trump os maridos machistas que batem todos os dias nas suas esposas, os alunos violentos que agridem seus professores, os jovens que mataram os travestis da Av. Paulista, os policiais que assassinaram os cinco jovens no subúrbio do Rio na semana passada, os que não se interessam por políticas ambientais, os que defendem a pena de morte como solução, os que acreditam que direitos humanos é coisa de bandido, os que dizem não gostar de negros, de gays, de muçulmanos, enfim, toda essa gente que me dá medo. Ganharam com Trump todos os meus fantasmas.
O chefe da campanha de Hillary mandou o povo ir para casa, descansar e dormir. Frase infeliz. Impossível dormir com um barulho desses. Nunca foi tão importante ficar acordado, vigiar como quem espera não mais o desconhecido, mas o criminoso legitimado pelo voto, amparado pela democracia, apoiado pela maioria. Não senhor John Podesta, não é hora de descansar. Agora, mais do que nunca, é hora de acender lanternas para atravessar essa extensa noite. Não foi justamente por isso que Frédéric Auguste Bartholdi colocou na mão direita da Estátua da Liberdade uma tocha dourada? Em tempos de escuridão é que a luz é mais necessária.




Comentários

  1. Professor Jelson, sinto-me inteiramente contemplado em seu pensamento. Passaremos por tempos mais dificeis...

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Bom Dia Jelson! No entanto, o dia não é tão bom assim, pois estou ainda me perguntando como um ser como Donald Trump pôde ser eleito presidente. Será que a filosofia tem uma explicação para o que acontece com o ser humano em pleno século XXI? Porque estamos regredindo e acreditando cada vez mais na misoginia, na homofobia, na discriminação, na violência e no conservadorismo vazio? Abraço.

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  4. Abraço Alvanei. Estado de preocupação intenso a partir de agora.

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  5. Cara Virgínia, realmente está difícil entender.

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  6. Meu receio é que em 2018 seja o Brasil a seguir um caminho tão obscuro...

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  7. O discurso de Trump atinge uma parte do ser humano que encanta "resgatar de volta", "Retomar a ordem e os trilhos", "voltar a ser o que foi em um passado glorioso", "combater os indesejados", "retomar o orgulho", Tudo tendo como referência um grande líder, mesmo não se referindo desta maneira a ele, o ser humano tem uma necessidade grande de um referencial que aponte um caminho a seguir.

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  8. Aline, prefiro acreditar que vamos ser mais sensatos que os norte-americanos nesse caso. Tomara que eu não esteja errado, porque as coisas já estão mais do que ruins pra nós.

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  9. Isso mesmo Daniel, slogans que já levaram milhões às câmaras de gás, em outro contexto.

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  10. Todavia cabe o respeito ás escolhas do povo americano.

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