O ANO NOVO COCHILA NO CORAÇÃO HUMANO
A palavra réveillon vem do francês réveiller, que significa “acordar”. Tem a ver com o acordar do ano, o despertar do novo, a restauração do vigor, a recomposição da energia.
De minha parte, gosto do menos pomposo “virada”, que é mais robusto e impetuoso. Virada é reviravolta, conversão, mudança. Traduz um tipo de oportunidade, de nova chance, de pirueta existencial – coisa de muita urgência, como se sabe. Virada tem um pouco de revés, guinada e revolução. É alteração de rumo, saída do marasmo e da apatia que entope as veias, pesa os ossos e entulha o ar de coisa irrespirável. Lembra mutação, metamorfose e todo risco que estão nelas, a instabilidade e o sacrifício de tudo o que é novo.
Numa competição, virada é a última etapa, quando o perdedor reage e vence o jogo. É emocionante demais! Palavra segura, de quem faz o que precisa ser feito, dando o último gole de fôlego para a tarefa que lhe pertence. E com isso, impressiona, faz o coração acordar. Toda virada traduz um compromisso com o agora e uma responsabilidade com o depois. Ela tem, por isso, a sacralidade e a exuberância dos vitoriosos e dos esforçados. Sabem esses, que a vitória – embora pareça - não é coisa de última hora, mas edifício de cotidianos, cimentado nas teimosias e resistências de mil faces que a gente encara de frente, aqui e ali, quase sempre, a toda hora. A excelência - dizia o velho Aristóteles - não é ato, mas hábito. Essa é a lei.
Virar um ano como 2020 é motivo de comemoração. Muitos ficaram para trás, entre gentes e bichos, vítimas de várias de nossas desgraças civilizatórias. Nós, que escapamos (“recebe com simplicidade este presente do acaso”, rezou Drummond), façamos o que nos cabe: soprar as brasas da indignação, levantar as lanternas da resistência, reacender a chama da ousadia, virar o leme, mudar a rota, refazer os rumos para desviar os espinhos do ódio, da intolerância e outras iniquidades cujos nomes envergonham casas, pátrias e universos. Maravilhas devem nascer dessas cinzas.
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