CARTA A MEU IRMÃO, COM SAUDADES






“Que a morte nos encontre plantando as nossas couves, 
indiferentes à sua chegada e mais ainda ante as nossas hortas inacabadas” 
(Michel de Montaigne)    


Oi Vando, como vai de glória?

Hoje faz um ano que você passou para a eternidade. Deve ser bom viver em um tempo sem tempo. Coisa estranha, você sabe, para quem fica. Nós aqui estamos lidando com a ferida. Ainda arde na pele o vazio de não ter você entre nós. Ao redor, às vezes, tudo fica nebuloso e escuro. Um mar se forma no olho. A gente perde o chão. O coração aperta como se murchasse subitamente, numa dor indizível. Mas a gente resiste, enquanto espera o nosso reencontro. E a gente fica com o melhor de nossas vidas juntos. As horas de alegria, as festas, as conversas à beira do fogo, os planos, as fantasias de infância, os amores conjuntos, os sorrisos, as músicas que você gostava de cantar. A gente gosta de lembrar de tudo, para esquecer a ausência e a saudade. Cada um de nós leva um pouco de você sempre na algibeira. Você vai conosco para todos os lugares. Sempre pleno, sempre forte, sempre corajoso.
Já disseram que a melhor forma de homenagear uma pessoa que se foi é dando continuidade aos seus projetos. Estamos fazendo isso. Já passamos um Natal sem você, um ano novo, o teu aniversário, os nossos... Ana Luísa está linda e forte, como você sabe. Ela é teu projeto e nós estamos sempre vendo você nela. No Ivan, na Isabella, na Chiei, na família que você deixou para nós. Em nós mesmos. A vida por aqui não está fácil, mas todos nos esforçamos. É preciso seguir em frente. Agora vem o Doninho. E nele também tem um pouco de você. Um pouco de nós todos. Tudo isso se chama tempo. E onde há tempo, há vida e finitude. Você sabe disso.
Foi o filósofo Montaigne que torceu para que a morte, quando chegasse, o encontrasse plantando suas couves e consciente de que a horta estaria inacabada. Acho que, naquela noite trágica em que um caminhão atravessou o teu caminho, naquela rodovia que continua mal sinalizada e colhendo outras vítimas, naquela noite, você estava trabalhando com tuas máquinas, como quem plantava couves. E você também deixou o teu jardim inacabado. O que nós estamos fazendo, aqui, chorando por você, rezando contigo, abraçados à tua memória que nunca, jamais, em nenhum dos nossos dias haverá de se apagar... o que nós estamos fazendo aqui é continuar a plantar as tuas sementes, regar as tuas plantas, seguir as tuas estradas. O que nos dá fôlego é saber que você está bem, onde quer que esteja, e que haverá o dia de nos abraçarmos de novo, como quem retorna de uma longa viagem.
Sim, a gente vai te amar pra eternidade.  




Comentários

  1. Vc me leva às lágrimas meu amigo! Meu irmão querido! Com certeza nos reencontraremos algum dia em alfum lugar onde haja paz! Um bjo no seu coração e de todos os seus familiares.

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  2. Jelson querido, para quem perdeu a mãe no Natal de 2012, essa carta me fez chorar! Não existe um só dia sem ela na lembrança. Que Deus conforte nossos corações mesmo com essa infinita saudade de nossos queridos.

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    1. Você expressa muitos dos sentimentos e saudades que sinto por minha irmã, annA, morta também em acidente de trânsito na Polônia ha 20 anos

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  3. Cada lágrima colhida pelos Anjos no caminho até o nosso coração, recebe um dom...e cada dom, retorna como gotas de sabedoria no pensamento dos homens livres... e bons !
    Tuas lágrimas são nossas lágrimas querido Jelson...! Para que estejas bem!

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  4. Queridos primos, a ausência de pessoas amadas é muito dolorosa, mas a certeza do reencontro nos encoraja a continuar fortes ❤❤❤

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  5. Lindo texto Jelson. Seu irmão deixou um legado, e vocês brilhantemente estão dando continuidade. Força Grande professor e filósofo.

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  6. Saudades amigo ,sonhador que que em algum momento seu sonho foi enterompido. ..nao esqueço Jamais vc achou minha carteira com 180$ e todos meus documentos e me entregou tudo, algo que muitos não faria ,isso que é um carra onesto companheiro espero que vc esteja muito bem ( dinho ...

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  7. Meu amigo, aquele que me faz ver poesia em tudo... Descreve como ninguém a alquimia que faz saudade virar o exercício de amor. Em sua orações ele está, em suas reuniões, comemorações ele sempre estará, em forma de amor, porque é a partir dele que se vive e que a dor se abranda. Grande e fraterno abraço.

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  8. Meu Deus, que profundidade em tao poucas palavras. Doeu aqui também.
    Abraços

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