MÁRCIA CUIDA DO QUEIROZ E COMETE MACHISMO, SEU PIOR CRIME





Marcia Aguiar, afinal, cuida do marido. Leva café da manhã na cama, serve-lhe o próprio corpo, adula suas orelhas com cafunés, varre a casa, lava a roupa, cozinha, cose e cuida do lar. Márcia está sob ordem judicial. Antes foragida e sem utilidade, ela voltou para assumir o seu posto de mulher submissa. Suas unhas postiças e seu cabelo bem cuidado já não contam mais. Conta agora a sua função na economia doméstica, conta agora a sua tarefa, a missão que aquele juiz adivinhou-lhe na própria condição feminina, como um fator quase genético, existencial, religioso. Afinal, qual o sentido de sua existência a não ser essa, a de colocar-se à serviço de seu homem?
Mora no coração do juiz que ordenou a sentença o mesmo verme que brota no seio da nação, aqui e ali. O machismo desliza nas suas letras como um anfíbio peçonhento, pele imberbe e úmida, rastejando sobre os documentos da pátria, a olho nu, em rastros de mil nojeiras. Pernicioso, o bicho põe seus ovos em dia claro e suas crias nascem incontáveis por todos os salões. Márcia é a versão judicializada e pechosa daquela obrigação de recato e pureza doméstica que habita o palácio e outras casas nacionais.
Ao ordenar sua sentença fajuta, peça adstringente do moralismo que finca raízes em tudo, o juiz legitimou o que haveria de ser banido a todo custo. Ao fazê-lo, ele transformou a mulher de Queiroz, o miliciano, em uma presa do preconceito. Sua tornozeleira eletrônica e seu cárcere domiciliar não são comparáveis à sua sina de mulher obediente, solícita, dócil e submissa. Pobre Márcia, a um tempo algoz e prisioneira voluntária do machismo que estrutura nossos poderes e arbitra a vida da pátria, sob o aplauso e a oração dos homens de fé, de lei e de bom costume! Em seu fado de sentenciada, pesam as correntes de todas as mulheres brasileiras. Esse é o seu crime mais grave. Esse é seu perigo.





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