AS INOVAÇÕES E OS IMPACTOS SOCIAIS DA FILOSOFIA








Há quem pense que a filosofia tem pouca ou nenhuma aplicação prática. Seminários e Simpósios sobre inovação e impacto social costumam incluir as áreas da saúde, das engenharias e das demais ciências produtivas. Salvam-se vidas com invenções incríveis em todos esses âmbitos da ciência, gera-se progresso e desenvolvimento louváveis. A filosofia, no geral, não aparece nessas listas. É como se ela não tivesse importância nenhuma.

Aristóteles, no mundo antigo, pensava o contrário. Ele colocou a ética e a política no campo das ciências práticas, precisamente aquelas que ajudam a orientar o comportamento dos seres humanos em sociedade. Para o estagirita, a filosofia tem uma importância indiscutível pelo seu impacto na vida prática das pessoas.

A vida contemporânea tem exigido de todas as áreas respostas para inúmeros desafios quanto à convivência, à tecnologia, aos processos de decisão, convivência fraterna, democracia, tolerância, justiça e cuidado com o meio ambiente. Para tudo isso, a filosofia tem uma contribuição direta. Ajuda a pensar, descobre novos conceitos, mobiliza comportamentos, oferece orientação em termos de valores e virtudes, esclarece, diverte, questiona.

Pensei em alguns exemplos. Tenho amigos que pesquisam a vida dos animais e descobriram que os animais têm consciência, memória e emoções. Outro descobriu o caminho para efetivar a democracia a partir da experiência do diálogo; suas teorias são usadas nas escolas públicas de Curitiba. Tenho doutorandos que estudam uma forma de salvar a humanidade no futuro: a ideia é elevar o senso de responsabilidade por meio de uma futurologia comparativa e de uma heurística do temor que contribua para maior sensibilização das pessoas em relação ao cuidado das demais formas de vida. No meu programa de pós-graduação temos um grupo de professores que pesquisa a relação entre a mente e o cérebro, para descobrir se é possível falar em transplante de cabeças ou em upload de mentes em máquinas ou em outros corpos, como muitos pretendem hoje em dia. Outros professores desenvolveram um conceito capaz de contribuir para a compreensão das capacidades linguísticas dos seres humanos. Pesquisas da psicanálise têm ajudado a compreender o fenômeno da violência ou mesmo os traumas das pessoas, cujos resultados negativos podem impedir a convivência fraterna. Um amigo acabou de publicar um artigo sobre o conceito de hegemonia e de conflito, temas fundamentais para compreender o regime democrático brasileiro. Outro escreve sobre o conceito de tecnologia e ajuda a construir pontes diretas de diálogo com os agentes técnicos, gente que atua diretamente com a invenção de produtos e processos. Outro colega meu, que estuda as teorias de Kant, descobriu porque um ser humano, mesmo requerendo sua liberdade, deve obedecer a lei em vigor em seu tempo e país. É Kant também que está inspirando uma doutoranda do nosso programa a pesquisar o conceito de hospitalidade; ela atua junto à ONU com os imigrantes e acaba de voltar de Roraima.

Eu tenho um amigo que inventou um jeito de ser feliz. Outro descobriu um jeito de medir o impacto da espiritualidade na vida das pessoas. Outro descobriu qual é o impacto das obras de arte sobre o espectador, destacando o valor de verdade que elas carregam, já que os artistas são aqueles que alcançam a essência do mundo e a comunicam em suas obras. Eu mesmo já descobri como a solidão pode ser uma virtude moral e como a amizade é um valor central da nossa vida. Um colega estuda há anos as regras para os experimentos com seres vivos, criando regulamentos capazes de orientar a conduta dos profissionais de saúde. Um estudante está pesquisando como as plantas se relacionam entre si e com o mundo à sua volta. Há um professor que descobriu porque a desigualdade social não pode ser legitimada pela desigualdade natural ou física. Uma aluna que eu conheço pesquisa o efeito da meditação na vida das pessoas; ela descobriu que a meditação pode trazer benefícios para a saúde e ajudar a concentração. Um aluno de um colega meu descobriu que as formigas têm vida social e que seus comportamentos podem ajudar a entender como se atuam os seres humanos. A orientanda de outro colega descobriu que os saberes médicos usam o discurso da verdade como forma de patologização de comportamentos.

Essa lista é interminável. O que ela representa? Que a filosofia não está alheia e nunca se furtou a contribuir com o avanço da sociedade, ao contrário, muitas das suas descobertas e invenções conceituais têm sido extremamente úteis para conectar saberes, favorecer o bem-estar das pessoas e promover uma vida social mais tolerante e feliz. 





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