O PRESIDENTE E SUA CLOACA IDEOLÓGICA
No seu famoso poema “Romanceiro da Inconfidência”, Cecília Meirelles repete incansavelmente o verso que canta o poder da palavra: “ai palavras, ai palavras, que estranha potência a vossa”. Ela trata da fala que condena, do veredito final de um enforcamento, do poder que a palavra tem de gerar vida e de gerar morte. A poetisa, nesse caso, recupera longa tradição dos que reconhecem a potência da fala como uma das características ontológicas do ser humano, porque ao falar, homens e mulheres projetamos destinos, produzimos mundos.
A palavra, sobretudo, é instrumento político. Foi com ela que a democracia ganhou corpo na Grécia. Foi por causa dela que autores como Aristóteles e Platão estabeleceram a identidade do homem como animal político. Ela é arma de disputa e de controvérsia em busca de consenso. Habermas a valorizou tanto que sua teoria do agir comunicativo parte da afirmação do seu poder transformador. A palavra, como política, é transformadora de realidades.
Com as bizarrices cotidianas, saídas daquilo que o professor Boaventura de Souza Santos chamou de “cloaca ideológica”, o atual presidente do Brasil transforma a palavra no símbolo da torpeza, da vergonha, da ofensa e do ataque. Sim, não mais política. Apenas vomitório. Com isso, ele revela desconhecer não apenas a probidade do cargo que ocupa, mas também favorecer a intolerância e o ódio que a má palavra gestiona. Na sua boca, desde sempre, a palavra é mentirosa, raivosa, desmedida. Seu discurso é pobre em visão de mundo, em experiência de vida, em vivência pública. Ele não entende de política, não entende o Brasil, não sabe o seu lugar no mundo. Torpe, seu discurso só poderia ser obsceno e recorrer tanto ao que há de mais pobre em sua mente: sexo barato, binário, banal. Na sua cabeça, o pensamento funciona por oposição. Uma coisa nunca pode ser outra. Pobreza pura. Veneno.
Por isso, ao falar, se perde, gagueja, tropeça no básico. Diante da ONU, usou apenas quatro dos vinte minutos que lhe cabia. Não tinha o que dizer. Foi melhor. Poupou seus ouvintes daquilo que os brasileiros estamos fartos: a disenteria do rancor, do desrespeito e da ofensa, que nada tem a ver com política.
Na minha terra natal, em casos como esse, ameaçava-se de calar o punga com um sabugo de milho envergado na garganta. Para o bem de todos.
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