CONHECER É RESISTIR



(Arte versus ignorância; mural de Jusús Cristóbal Flores Carmona)


Aristóteles inicia a sua “Metafísica”, um dos livros fundadores da nossa cultura, afirmando que todo ser humano tende ao conhecimento. Isso significa que o único jeito de alguém se realizar plenamente é conhecendo, abrindo-se ao mundo, aos outros, a si mesmo. A história do conhecimento, que inclui a história dos progressos culturais, dos livros e dos intelectuais, atesta tal perspectiva. Embora a ignorância, no geral, seja mais cômoda, o conhecimento é mais benéfico e proveitoso.

O historiador inglês Peter Burke, no seu livro “O que é a história do conhecimento”, defende a diferença (muito útil) entre informação e conhecimento (sendo, metaforicamente, a primeira algo “cru” e o segundo “processado”) e afirma que é preciso reconhecer a existência de várias formas de conhecimento - não só o acadêmico. Os autores de “A árvore do conhecimento”, Maturana e Varela, resumiram isso afirmando que “viver é conhecer”, ou que “tudo que vive conhece” (ou seja, não só quem estuda). Não querem, eles, contudo, desmerecer o conhecimento acadêmico. Ao contrário, para eles, este é um tipo muito especial de conhecimento. 

Dos sumérios aos chineses, dos gregos aos romanos, da antiguidade aos tempos modernos, do Iluminismo até a era tecnológica, a história da humanidade tem sido a história da expansão de seu potencial gnosiológico. Conhecemos mais em qualidade, em diferentes perspectivas, em diversas direções e novas profundidades. E por isso, nos realizamos mais como membros dessa espécie, cuja característica é possuir, como dom, uma habilidade própria, desenvolvida ao longo das eras evolutivas: a racionalidade, essa espécie de instrumento dado a nós, os mais frágeis e perecíveis dos seres, para que pudéssemos nos firmar na existência, tal como afirmou Nietzsche.

Vivemos hoje, especialmente no Brasil, tempos de obscuridade e ignorância. O advento dos meios de comunicação social e da internet aumentou o potencial de expansão do conhecimento, mas também da confusão e do desastre da pobreza hermenêutica que ele exige. Isso porque, como defende Burke, informação não basta, é preciso processá-la, ou seja, verificar, classificar, sistematizar - interpretar, enfim. Temos, ao invés disso, preferido a preguiça do pensar. Recebemos informações na forma de memes e outras tagarelices, e passamos adiante, enchendo o mundo de muita informação sem processamento, que logo vira palhaçada, afobação, insensatez, burrice. E esse é o mal pior de nossos tempos. Sócrates ensinou: “existe apenas um bem, o saber; é um mal, a ignorância”.

Esse é o tempo da imbecilidade. Olhamos ao redor e nos perguntamos como chegamos aqui. Como pode ser dito o que se diz, sem nenhum pudor? Como alguém celebra tanta palermice e estupidez? Sem respostas, vagamos no escuro, sentindo o cheiro fétido dos azedumes que brotam desse material deteriorado, na forma da intolerância, do fanatismo e da esterilidade.

Embora a universidade não seja o único lugar onde ele se produz, creio que não seria demais afirmar que ela é a oficina onde o conhecimento se processa de forma mais vigorosa. E agora que vivemos, no Brasil, o ataque mais grave em toda a nossa história, a esta instituição já combalida, precisamos lembrar de novo que conhecer é resistir. Ler, informar-se, pensar criticamente, juntar dados, perguntar, perguntar-se, chacoalhar a árvore para tomar todos os frutos... passa a ser obrigação de todos aqueles que não querem se render ao escuro. O conhecimento é luz. A universidade é combustível. Nós somos os incendiários.








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