SEM JEAN WYLLYS O BRASIL FICA MENOS DEMOCRÁTICO







Repeti algumas vezes, em tom de brincadeira, que o aparecimento de Jean Wyllys já tinha eximido a Globo do delito de nos submeter a 20 anos de Big Brother. Foi lá que o vi pela primeira vez, conquistando o público. E foi nas suas redes sociais, já como deputado federal, que eu vi – também pela primeira vez, com horror e desprezo – como o monstro da intolerância estava crescendo entre nós. Qualquer notícia em relação a seu nome despertava centenas ou milhares de comentários homofóbicos, capazes de tirar o sono de qualquer pessoa minimamente esclarecida.
Sua militância a favor da causa LGBTI+ tornou-se uma das páginas mais importantes da defesa dos direitos humanos no Brasil nos últimos anos. Uma causa sempre problemática, porque a homossexualidade está, ainda, quase sempre, submetida à visão preconceituosa do machismo nacional, que chegou ao governo, com pais, filhos e milícias todas. Quase sempre associada à doença e à aberração, como se diz agora aos quatro ventos. Uma causa polêmica, incomodativa, muitas vezes irônica e zombeteira. Uma causa sem anjos, sem santidades, sem o purismo da bipolaridade sexual. Quem quer defender essa gente? Ninguém: muitas vezes nem o pai, nem a mãe ou familiares; nem Igrejas, nem políticos, nem política nenhuma. Ela sofre ainda a doença dos “ismos”, na forma do homossexualismo que ainda ressoa no vocabulário da pátria desinformada.
Jean, com sua controvérsia, defendia o indefensável e nisso, cumpria o papel dessa gente toda: do pai que devia defender o filho gay mas não o faz; da mãe que tem vergonha do filho; do vizinho que faz piada na rua; do colega de escola que faz bulling no recreio. E sabe por que? Porque essa gente sofre em quartos escuros, apanha na rua, morre na rua, na maioria dos casos sozinha e sem ninguém. Porque gente como ele tem medo de “sair do armário”; porque gente como ele sabe que não vai ser aceito socialmente, que as pessoas terão asco e nojo dele. E assim deveria continuar. Jean era uma espécie de espinho na carne da sociedade. Calo no pé. Pedra no sapato, como se diz. Quanto ninguém queria ver, ele estava lá, mostrando-se, a si e à causa que representava. E era precisamente ele, ali, naquele púlpito apodrecido do Congresso, junto com outros companheiros e companheiras, que arejava a nossa democracia. Porque ela, como sistema político no qual o povo é soberano, precisa ter representantes do povo. E embora muita gente preferisse o contrário, o povo também é gay; o povo é o pai e a mãe dos gays, travestis, transgêneros e todas as várias identidades sexuais. E porque é assim, essa parcela do povo precisa de voz e representação. Essa era a importância do Jean. E é isso o que perdemos hoje, quando ele se retira da vida pública e deixa o Brasil. Sem ele ficamos mais pobres e desprotegidos. Sem Jean o Brasil fica mais violento, preconceituoso, hostil. Sem Jean o Brasil fica menos democrático.
Houve quem discordasse de suas práticas. Houve quem questionasse os seus métodos, o modo de sua militância etc. etc. etc. Tudo legítimo. Fato é que discordamos também de ruralistas, de pastores e de milicianos e, nem por isso, fazemos tanto alarde em torno de suas práticas ou desejamos a sua morte. No caso do Jean, o que ele viveu, foi um verdadeiro apedrejamento público, feito por “gente do bem”, que sempre ignora a passagem bíblica e atira a primeira pedra.


Ai de nós.



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