O ESCÂNDALO DO WHATSAPP E A MORTE DO PENSAMENTO CRÍTICO








Desde que foi inventada, a linguagem (e a sua forma escrita) tem sido a condição para o desenvolvimento cultural da humanidade e ao mesmo tempo o seu sintoma. Mais do que isso, muitos filósofos a consideram a marca própria do ser humano, o único animal que pode pensar e, por isso, também falar, ou seja, comunicar-se. A linguagem escrita produziu as bíblias, os poemas, as religiões e todos os livros que conhecemos, repositórios de nossas tradições e histórias. Sem eles, não seríamos nada. 

A linguagem escrita implica o pensamento lógico, que é o modo como organizamos nosso pensamento temporalmente, ou seja, como estruturamos nossos argumentos e ideias, dispomos de cada uma delas ordenadamente, uma atrás da outra, organizando sentidos e cuidando para que tudo seja dito de forma mais ou menos coerente a fim de que seja compreendido da forma mais adequada possível. Nasceu disso a matemática, a literatura, a filosofia e todas as demais ciências.

No seu livro “Elogio da lentidão”, Lamberto Maffei analisa tal condição, defendendo o que ele chama de "pensamento lento" em relação à “excessiva prevalência dos mecanismos rápidos do pensamento”, que se revelam na moderna tecnologia de comunicação, cujo prejuízo implicaria “soluções e comportamentos errados, danos na educação e, em geral, na vivência civil”.

Em outras palavras, isso significa que o pensamento das redes sociais, apoiada na revolução digital dos últimos anos, está preenchida por memes, imagens e informações excessivamente apressadas e, por isso, descompromissadas com os processos de compreensão e com a paciência que o pensamento crítico exige. O meme é o pai da fake news e da mentira, porque ele é orientado pela decifração rápida. O meme é um alimento que se come sem mastigar e, por isso, causa indigestão e envenena o comedor. Quem pensa rápido, toma posições apressadas e alimenta a distração e a má-informação como regra. O resultado da velocidade é o pensamento impaciente, superficial, ilógico.

O escândalo do uso do WhatsApp para disseminar notícias falsas e memes contra o candidato do Partido dos Trabalhadores na eleição presidencial brasileira é grave por si mesmo, mas é só a ponta do iceberg de um problema que afeta toda a nossa sociedade e que ocupa nossas salas de aula com a preguiça de pensar e com o pensamento adestrado que tornam todos os cidadãos presas fáceis do fanatismo, que é a ante-sala da intolerância e da violência. 

A situação tem repercussões graves nesse momento no campo da política, mas deve despertar a nossa preocupação para além dela, porque o problema afeta nossa sociedade de uma forma ainda mais profunda. Ela diz respeito aos processos educativos frágeis e defeituosos que produziram o eleitor de Bolsonaro, o neo-fascismo, o neo-nazismo e todos os horrores dos nossos dias a partir do feitiço da desinformação e da preguiça do pensamento crítico, o pior mal do nosso século, no qual ele mesmo, o pensamento crítico, morreu. O resultado é a papagaiada, a tagarelice epidêmica, o falatório decorado e sem sentido que se espalha como opinião barata, ofensiva, mal-formada, cheia de decorebas e de insultos.


Criminoso bastante é quem se utilizou dessa prática. Tolo é quem a legitima e reproduz. Agora, mais do que nunca, é preciso lembrar, meio heideggerianamente, que não basta poder pensar, é preciso escolher o pensamento.






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