PEDRO, 16 ANOS, ELEITOR DO BOLSONARO. ONDE FOI QUE ERRAMOS?







Ele não aprendeu o sentido da palavra obrigado. Não que não tivesse gratidão, mas aprendeu não se sabe onde, que esse era sentimento indizível que não cabia na grosseria cotidiana do vai e vem ríspido, duro e indecoroso. Aí, nesse meio hostil, ele esqueceu palavras boas do dicionário. Por favor e desculpas, entre elas. Não aprendeu a justificar-se, a argumentar suas razões, a dialogar fora da indelicadeza. Quis ser bruto, coisa de homem. Passou a fugir de frescuras e confortos que a vida civil exige na sua versão mais básica e ordinária. Ali, onde a mãe pode ser xingada, onde os professores podem ser agredidos, onde não existe horário a cumprir a não aquele do desejo próprio, da rotina insuportável dos calçados no meio da casa, do chão do banheiro sem secar, da roupa jogada num canto qualquer. Afinal, ele não aprendeu isso de horários, de respeitos e pontualidades. Não aprendeu que o som alto pode ser agressivo, que a aceleração da moto e a derrapagem do pneu na saída emitem perigo, que a bituca do cigarro não pode ser descartada no canto da sala. Na sua (i)lógica, não há controle, comedimento, equilíbrio. Recusa qualquer autoridade, supervisão, conselho, tudo o que exige contenção. Prefere o confronto vazio do xingamento, a rixa, o enxovalho. Faz o que quer, quando quer, se quiser. Se preciso, ameaça de morte. Afia faca e resmunga cheio de razões.

Ele não se interessa pela escola. Nada lá presta ou adianta. Tudo é chato e sem sentido. Não conjuga verbo adequadamente, não sabe de ciências e de matemáticas, de histórias, éticas e filosofias. Prefere a ignorância, mesmo sem saber que essa opção desenha seu futuro com a tinta das pobrezas mais medonhas. Ouve música pornográfica, de mau-gosto em tudo. Celebra a falência do interesse público. Quer autonomia plena, pensa só em si mesmo e não tem nenhuma referência etária capaz de contribuir para a sua própria representação identitária. Parece querer desligar o seu destino do destino comum. Ele vê apenas a si mesmo. Rebela-se contra tudo. Seu tempo é o da erosão completa do caráter, da frustração e da descrença.

Ele não se interessa pelo problema alheio. Não sabe de causas: as dos negros, dos homossexuais, das mulheres, dos povos indígenas. Nada. Nenhuma. Esse menino agora apoia Bolsonaro para presidente. O mundo que ele desenha para si e para os outros está orientado pelo direito de dizer, sem que importe o conteúdo do que é dito. Quer uma arma. Quer privilégio. Quer o direito à ofensa. E quer, curiosamente, tudo aquilo que lhe falta – embora seja também, paradoxalmente, o que ele pratica: o fundamentalismo da ordem e a truculência da imposição.

Ali, na minha frente, aquele menino e sua história geram o pior dos pesares. A amargura de não ser capaz, mais, de corrigir um destino tão deteriorado. Fiquei sem palavras enquanto meu coração era corroído pela pergunta: onde foi que erramos? E lembrei daquele filme: "precisamos falar sobre Kevin"... digo... sobre Pedro.









Comentários

  1. Reflito sobre isso todos os dias professor. Hoje mesmo para você ter uma ideia, eu militando nas redes sociais, repudiando o dito cujo, e eis que meus cunhados colocam o tema da figura. Pessoas legais, que eu gosto, mas me fiz essa mesma pergunta.Onde erramos? minha esposa afirmou que pode ser influência de seus patrões (eles cuidam de uma Xácara), Ai que quase surtei de vez.Belo texto professor, parabéns.

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  2. Irretocável sua descrição que diz de muitos dos jovens ao nosso redor, que diz dos menosjovens inclusive. E que traduz também o meu pesar. Parabéns pelo texto e pelo diagnóstico

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  3. E o pior vamos continuar errando, vejo pelas pesquisas que apontam que o cruel vai ser o nosso presidente, ainda a tempo para mudarmos.
    É preciso para de errar ou pelo menos tentar acertar.
    Belo texto meu professor

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