O DAVI ARGENTINO ESTÁ DIANTE DO SEU GOLIAS
Davi está diante do seu Golias. Nas costas carrega
uma pequena atiradeira, entre arma e brinquedo. É frágil o menino. É
monstruoso o gigante. Mobilizou, contudo, a coragem dos grandes guerreiros
com a inocência própria das crianças que ainda não provaram o perigo. Com esses dois mistérios (coragem e inocência) olhou nos olhos do gigante. Mediu-lhe de alto
a baixo. Diagnosticou suas entranhas até diluir qualquer um dos seus pavores na
oleosidade de suas mãos quentes, apropriadas para o golpe decisivo.
Ali, parado diante de seu algoz, Michelângelo
encontrou também aquele menino-rei. Cavou-lhe o semblante na pedra branca,
cheio daquela temeridade de quem se prepara para o ataque. Michelângelo também
buscou a coragem e a inocência do menino, ao contrário de outros artistas que
preferiram retratar sua vitória. Em Florença, o menino alto e cabeçudo, ainda
não ganhou a batalha. Prepara-se para ela. Está cheio das incertezas, das
tensões e das esperanças próprias de quem ainda tateia ao redor e reconhece
suas próprias habilidades.
Foi esse menino que eu reencontrei, sem rosto, num
campo de futebol da comunidade Los Vasquez, na periferia de Tucumán, na
Argentina. Ele participava das atividades do dia da criança promovidas pelos
voluntários da Universidade São Tomás de Aquino, dos frades dominicanos. Olhava
atento para o seu gigante: uma montanha enorme de lixo que azeda sobre a terra,
casas imundas, pobreza, fome, falta de perspectiva. Nas costas, um bodoque,
meio arma, meio brinquedo. O Davi argentino está entre as quase cem milhões de
crianças que vivem na pobreza extrema na América Latina, segundo dados da
UNICEF. Isso significa que cerca de 45% das crianças do continenete sofrem
privação de alimentos e demais condições de viver com dignidade. O Davi
argentino está entre as 14 milhões de crianças que trabalham no continente,
entre as 3 crianças que morrem de fome por dia na Argentina.
O Davi argentino encontrava na sua funda, a
possibilidade de mudar seu destino. Era um dia de atividades e integração em
Los Vasquez. Cabia-lhe participar, encontrar seus amiguinhos, projetar novas
relações sociais, experimentar o gosto pelo estudo, arremessar a pedra e, afinal,
vencer o monstro do isolamento, da miséria, da fome, da desesperança, da
violência, da drogadição... O Davi argentino ainda não sabe, mas aquele
instrumento pode mudar o seu destino. Ele ainda não sabe, mas sua pedra também
haverá de derrubar terríveis gigantes.
Por isso ele está ali, em pé. Planejando o golpe.
Nós, do outro lado da cerca, incentivamos o menino. Em silêncio, inculcamos-lhe
a energia revolucionária da esperança: vá, pequeno Davi, atire essa pedra, derrube
esse gigante de uma vez por todas!
Coragem ao Pequeno Davi!
ResponderExcluirLindo!!!
Gratidão por partilhar tantas belezas Jelson! Parabéns!