O PAI COMO PARADIGMA DA RESPONSABILIDADE









Muito se fala da crise de valores que afeta a sociedade contemporânea e de como um dos elementos centrais dessa situação tem a ver com a crise das autoridades parentais. Professores, Padres, Pastores, Patrões, Políticos e... Pais, encontram-se, nessa encruzilhada da história, diante do dilema de sua própria reinvenção como aqueles que se tornaram, ao longo da história, quase sempre, os responsáveis pela orientação ética das sociedades.
O dia dos pais é uma boa oportunidade para pensarmos a respeito dos poderes e das obrigações dessa autoridade que, junto com suas esposas, é responsável por enviar para o futuro (por meio da educação de seus filhos) aqueles valores inegociáveis, bem como enfrentar, com lucidez e paciência, os arroubos das novas gerações, acolhendo suas demandas e filtrando suas expectativas. O pai, sem dúvida, é figura central na formação de um indivíduo. E não penso apenas no macho que dorme com nossas mães, penso também na autoridade e no papel daqueles que simbolizam tal autoridade em nossas vidas.
A característica da autoridade exercida por essas pessoas é a não reciprocidade: o pai cuida de seu filho de forma gratuita, sem esperar nada em troca, mas simplesmente pelo fato de que tal cuidado torna ele quem é, ou seja, precisamente um pai. Em outras palavras, a responsabilidade é característica central da paternidade porque alguém se torna pai precisamente porque cuida de seu filho. Para falar na linguagem filosófica, essa é sua característica ontológica – e não apenas ética.
Quem chamou atenção para esse elemento e elegeu o pai como paradigma da responsabilidade, foi o filósofo judeu-alemão Hans Jonas. Para ele, essa característica própria da responsabilidade de um pai diante de seu filho serve como uma espécie de modelo para compreendermos de que forma a responsabilidade para com a natureza e as gerações do futuro se apresenta como um princípio ontológico próprio de todos os seres humanos. Ou seja, para Jonas, tal como um pai se realiza exatamente quando gera e cuida de forma generosa e abnegada do seu filho, cada um de nós se realiza plenamente como indivíduo humano precisamente quando se responsabiliza pela manutenção de todas as formas de vida ameaçadas de extinção e pela existência de um futuro para a humanidade.
Segundo Jonas, poder se responsabilizar é o mesmo que dever se responsabilizar; ou seja, porque é capaz de responsabilidade o ser humano está obrigado a ela. Poder e responsabilidade são duas faces de uma mesma moeda, portanto. Como no caso do pai que se responsabiliza pelo seu filho, nós todos temos como primeiro objeto da responsabilidade os outros seres humanos: “o arquétipo da responsabilidade é aquela do homem pelo homem”[1], cuja concretização mais evidente é a do pai em relação à sua prole. Por isso, o pai cuida de seus filhos não apenas no que tange à sua sobrevivência imediata, mas ao desenvolvimento de todas as suas potencialidades: habilidades, comportamentos, relações, caráter, conhecimento, que devem ser estimulados. O pai “visa a fazer da criança o melhor dos seres” (lembre de seu pai e me diga se Jonas tem razão!). Eis o paradigma que deveria orientar a ação das demais autoridades, principalmente a dos homens públicos, no que tange à criação das condições de desenvolvimento dos cidadãos que estão sob seu governo em vista da garantia de sua continuidade no futuro.
Olhando para os nossos pais, portanto, nós aprendemos o sentido da responsabilidade. Em todas as circunstâncias, aquele que protege, cuida e promove, assume a responsabilidade de forma tão efetiva que tal fato se torna inseparável da sua própria existência como ser humano. Oxalá celebrando a vida de nossos pais, aprendamos também esta que é a sua lição mais importante.






[1] JONAS, Hans. O princípio Responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora PUCRio, 2006, p. 180.

Comentários

  1. Palavras sábias. ..reflexão apropriada para o Dia dos Pais e os dias que hoje vivemos...num caos de valores e irresponsabilidade. Gratidão mestreJelson

    ResponderExcluir
  2. Parabéns Jelson...seus pensamentos expressam pura verdade neste cotidiano esquecidos dos valores.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

CARTA A MEU IRMÃO, COM SAUDADES

O POMPIDOU DE PARIS É UMA CAVERNA PLATÔNICA: sobre as ilusões de Magritte*

UM ELOGIO À CALVÍCIE