GAY NÃO PRECISA DE CURA, MAS DE RESPEITO
Acho que o sentimento não é só
meu: às vezes a gente acorda cedo e parece ter recuado milênios no tempo e
milhares de quilômetros no espaço. A notícia de hoje, por exemplo, me levou
para os piores dias da Idade Média ou para algum país como a Mauritânia, o
Sudão ou a Arábia Saudita, onde a homossexualidade ainda é punida com pena de
morte. Isso se chama retrocesso. E suas causas são a desinformação, o
preconceito e a discriminação que costumam grassar facilmente com ajuda das canetas de
magistrados brasileiros, filhos da elite que sequestrou um dos poderes da
pátria para a defesa de seus privilégios.
A decisão da justiça do Distrito
Federal, que libera os psicólogos a tratarem a homossexualidade como doença, é
desses sinais desoladores de que o Brasil está mesmo no caminho errado. Sobram incongruências
e leviandades quando a justiça se rende aos interesses de pessoas moralistas e
fundamentalistas que, como em tempos sombrios do passado, pregam purismos à
revelia dos valores, com a intenção de esconder suas próprias sujeiras debaixo
dos tapetes persas que forram seus foros íntimos.
Contrariando evidências científicas
e jurídicas, a decisão representa uma grave violação aos direitos humanos. Além
de ser sintoma do preconceito de seus autores, ela é fruto do atraso, da
precariedade e da má-fé do magistrado, que ignora inclusive a decisão da Organização
Mundial da Saúde, de 1990, que retirou a homossexualidade da lista internacional
de doenças.
O que o juiz Waldemar Cláudio de
Carvalho autorizou, não foi apenas a pretensa reversão sexual (assunto por si
mesmo risível a toda pessoa minimamente esclarecida). O que ele liberou foi o
preconceito contra pessoas que são indesejadas socialmente, que se escondem em
quartos escuros meramente pelo fato de terem nascido com uma orientação sexual diferente
do padrão socialmente aceito. O que esse juiz permitiu, foi a agressão e a violência
cotidiana que se alarga no Brasil em índices alarmantes, sob o silêncio da
justiça. O que ele tornou legítimo foi a intolerância que faz vítimas diárias, que
podem estar em qualquer família brasileira. O que ele autorizou foram
procedimentos sem resultado, que provocam sequelas e aumentam o sofrimento
psíquico de quem muitas vezes já tem dificuldade de lidar com sua própria condição,
com seus desejos constituintes e com seus modos próprios de buscar a felicidade.
Por isso, junto com os psicólogos que impetraram a ação, o doutor Waldemar será
corresponsável, a partir de hoje, por todos esses atos, pelas vítimas agredidas
e assassinadas que caem às centenas no Brasil, esse país que mais mata travestis
e transexuais no mundo.
A decisão revela a velha
intolerância ao prazer alheio em nome da padronização dos comportamentos, a perseguição às formas de vida e à felicidade de quem vive suas diferenças, algo
que agora, além de escondido e proibido, deve ser punido e curado, sabe-se lá a que tipo de
terapias e procedimentos obtusos e ultrajosos. O juiz e seu secto de
inconformados, retoma, assim, o medo como regra, a negação das identidades, o
desespero e a frustração (seria inveja?) contra o prazer alheio, para eles
insuportável. A decisão falaciosa dessa gente revela apenas os fantasmas que
povoam seus mundos e que agora, eles querem lançar a todo custo sobre a nossa
sociedade, sob contornos amadores e malsãos.
O que esse juiz e sua trupe não
sabem – mas deviam saber – é que os gays não são doentes, não precisam de
terapia reversiva ou de cura, mas de respeito, reconhecimento, espaço para liberdade
de expressão e apoio para que sejam felizes, como todos os demais seres
humanos.
Senhor juiz, pare agora - e pense: quem é que realmente precisa de cura?
Senhor juiz, pare agora - e pense: quem é que realmente precisa de cura?
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