MENSAGEM À PROFESSORA AGREDIDA EM SANTA CATARINA
Foto divulgada pela professora no seu perfil no Facebook. |
Prezada professora Márcia
Friggi,
Hoje
vimos suas fotos e as palavras alarmantes que a senhora escreveu para compor essa
história de ódio que hoje foi sua, mas que, infelizmente, tem sido a de muitos
de nossos colegas ao redor da pátria
que era para ser educadora e que
agora, fatidicamente, cede ao pior dos venenos. Como professora de língua
portuguesa, a mais básica das nossas competências, a senhora ensina o diálogo,
a tolerância e o deleite das letras e dos seus conteúdos. Hoje, contudo, a sua palavra
traduziu o nosso eclipse, a amargura de nossas letras, quando o vocábulo dá
lugar à agressão, a voz e a escrita à ferocidade do grito, a compreensão à
ofensa.
Todos
estamos dilacerados. Os ferimentos no seu rosto, o sangue gotejado sobre o piso,
o xingamento que ressoa nos seus ouvidos, o misto de indignação e pena que emana
das suas palavras são o sinal mais evidente da crise moral que afeta a nossa
sociedade. Em cada uma das suas fotos a gente vê não apenas a cólera desmedida
de nossa juventude, mas a violência obscena pregada por nossos políticos, a violência doméstica, o assédio e a agressão contra as mulheres, a hostilidade
de cidadãos comuns que saem às ruas pregando o ódio de forma despudorada e o
descaso do governo que celebra seus conchavos com o sangue do povo. Revolta-se
contra você uma juventude sem valor, vítima de sua própria arrogância, da falta
de limite e do descaso de quem fecha os olhos para a obviedade do problema. Em
você, vinga-se de um sistema inteiro. Afronta-se a própria vida pobre e insolente,
com a petulância e o desrespeito de quem insulta toda e qualquer autoridade. Golpeia-se
o perigo que a senhora representa: as exigências de valor, o testemunho de
verdade, as tentativas de alterar o rumo dos caminhos que parecem – e que, para
muitos, deviam ser e permanecer – imutáveis.
A
dor, contudo, é sua. E ela há de perdurar para além das cicatrizes. Partilho, por
isso, seu desamparo. Choro as mesmas lágrimas de cada professor ao redor do
país que essa noite dormirá com o coração apertado pelo desespero. Todos estamos
feridos. Nossas vidas dedicadas ao ensino, nossas horas planejando aulas, pesquisando,
esboçando exercícios, corrigindo provas... o sentido de tudo isso parece se
esgotar em cada golpe sofrido pela senhora, diante dos quais nossos inumeráveis
esforços parecem vãos e ineficazes. É isso o que torna o seu um caso de
profundo sentido político. Ele é fruto dessa crise desastrosa cujo pior sintoma
é o nosso próprio desânimo, fundido à nossa revolta e lubrificado pela nossa decepção
diante das tendências perversas que nos afundam na lama mais deletéria.
Haverá,
contudo, cara colega professora, uma manhã de sol para além dessa noite escura.
Um novo texto escrito em folha branca, com palavras tão inéditas e brilhantes
que servirão para inventar uma nova história, para além das nossas lesões. A senhora
mesmo, na sua mensagem, parece acreditar nisso. Sim, haverá um sentimento comum
de indignação e de justiça, não apenas contra o autor dos golpes, mas também
contra quem o anima, contra as fontes de sua energia, contra o silêncio culpado
de quem olha com desdém para a escola pública, esse depósito do feio e do
descartável. A negligência haverá de ceder à responsabilidade. A omissão e a indiferença
haverão de dobrar-se ao compromisso e ao encargo que é de toda a sociedade. É urgente
que o atentado vivido pela senhora hoje em Indaial não seja apenas uma visita à
terra do medo na qual se transformaram muitas de nossas salas de aula, mas à região
da esperança, onde estão plantados muitos corações – como o meu, o seu e o da
maioria de nossos colegas professores.
Amanhã todos/as daremos aulas em sua homenagem.
Amanhã todos/as daremos aulas em sua homenagem.
Depois de ler a história toda se pode concluir, o nível de tolerância à frustração de estas crianças é próximo de zero. Os hematomas da professora remetem então à imensa intolerância de pais que criam monstros mimados e arrogantes sem a mais mínima capacidade para a empatia; logo, incapazes de apreender, prontos para superar em muito à ignorância de seus próprios pais.
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