“A RUA VAI FICAR MAIS ALEGRE” MAS ISSO É CRIME EM CURITIBA
IMAGEM: http://osentendidos.revistaforum.com.br/2016/07/27/existe-futuro-para-identidade-gay/ |
A frase foi escrita em panfletos e
distribuída pela vizinhança como recepção a um casal homoafetivo que está se mudando para uma rua de Curitiba. Mas não pense que ela é bem-intencionada. Ao contrário,
foi
usada como injúria e insulto, junto a outras barbaridades
que não escondem as taras e o desequilíbrio do seu autor. O texto é um bom exemplo do quanto a alegria continua perigosa e o amor, condenável. Pensa, o imbecil, que a orientação sexual de cada um é assunto público
e
que o sexo é depravação contra a qual resta aos “puros de
coração” guardar-se desses pretensos abusos encobrindo
os olhos e ouvidos de crianças
indefesas.
Acha, o energúmeno,
que
a caminhada matinal de dois homens que se amam pode perverter a sociedade, a ordem e os
bons costumes. Acredita, o pateta, que essas coisas existem e que são tão
frágeis que o mero passeio dos vizinhos
pela rua poderia afetá-las decididamente.
O pior, contudo, é que esse desequilibrado supõe que a alegria deve ser
recriminada, proibida e convertida em crime público. Ainda mais se ela vier
acompanhada de algum ato de carinho. Seu desejo, ao que parece, é reduzir o mundo à seriedade
rangente
de
suas
engrenagens
de ódio e intolerância.
Ao retilíneo azedo de suas crenças. Ao pavor de seus panfletos. Ao sinistro
de suas ideias preconceituosas, descabidas, ultrapassadas.
Ao que consta, a palavra gay, em quase
todas as línguas, fala do
que é alegre, jovial, impetuoso, entusiasmado.
No bairro Água Verde, dessa parte vergonhosa da tal república de Curitiba, cada dia mais intolerante
e fascista, a palavra foi transformada em um xingamento. Não fosse a gravidade do ato, tudo seria risível.
Mas também aqui a alegria precisa ser levada a sério.
Quando minha amiga Marcella Lopes
Guimarães e eu escrevemos o “Diálogo sobre a alegria” *, lançado no mês
passado,
nós chamamos a atenção para a importância
de refletir sobre esse assunto e para a múltipla
história de censura que o tema acumulou ao longo dos tempos. A alegria,
ao que parece, continua incomodando. Mas o que mais incomoda é que os deputados BBB (Bala, Boi e Bíblia), eles mesmos,
cujos
nomes
derramam-se em listas e mais listas de corrupção, não tenham
aprovado
uma
lei
capaz
de
tipificar a homofobia como crime. Negam-se a garantir o direito àqueles que só
querem
viver
alegremente.
E porque esses políticos
escarram suas palavras de ódio
diariamente
sob
aplauso
de
muita “gente
de bem”,
o asno do Água Verde haverá
de
repetir
seus
impropérios e outros o seguirão, fazendo do Paraná um dos Estados onde mais se mata homossexuais do Brasil, junto com São Paulo, Rio e Minas Gerais.
Agora que o sábado de aleluia se aproxima e que a alegria da páscoa deveria reinar, eu temo pelas crianças que nascem nessa rua do Água Verde. Temo pelos jovens que habitam,
silenciados, as suas esquinas. Pelas gentes indefesas que se escondem do ódio atrás de portas fechadas. Temo profundamente pelo cárcere sombrio onde querem que elas permaneçam.
Temo pelo amor que lhes é
negado.
Pelo que elas poderão
sofrer caso pretendam seguir sua orientação sexual. Temo pelas dores que gente
como esse palerma pode causar a elas. Temo pela privação de alegria que esse confinamento provoca. Temo pelo silêncio dos outros. Temo pelas sombras que ainda
impedem que a alegria ilumine nossas ruas.
* PUCPRESS, 2016 (http://www.livrariacultura.com.br/p/livros/filosofia/dialogo-sobre-a-alegria-46491061).
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