NO DIA DO PROFESSOR, UMA MENSAGEM AOS ALUNOS
Quando eu
era pequeno, improvisei um quadro com uma tábua velha e dei aula aos meus
irmãos mais novos sobre o abismo da morte. A gente vivia perto do cemitério e as
crianças sabiam de enterros e velórios mais do que ninguém. Acho que esse foi o
meu primeiro sintoma de filosofia - parafraseando o título do livro da
querida Glória Kirinus. Aos cinco anos briguei feio com a minha mãe para ir à
escola. O colégio era de madeira em tinta marrom e passou a fazer parte do meu
mundo como um segundo lar. Não faltava a nenhuma aula. Fizesse chuva ou caísse
canivete, eu era o primeiro da fila. Naquele tempo se cantava o hino nacional na quadra e
se escrevia o nome do presidente do Brasil no alto da página, todos os dias. Embora eu achasse estranho, obedecia. Naquela escola,
tive a sorte de encontrar muitos professores bons. Dona Maria me ensinou a escrever.
Porque ela era negra e eu já sabia o que isso significava, o que ela me ensinou
não era apenas assunto de letra e palavra, mas de vida. Acho que foi com ela
que aprendi a primeira lição de igualdade, naquele Rio Grande do Sul tão cheio
de imigrantes europeus e abastecido de muitos preconceitos. Foi na escola que
fiz meus primeiros amigos - alguns deles são tão duradouros que certamente
lerão esse texto comprovando minhas verdades. Depois, já professor “formado”,
como se diz, tive muitos estudantes que se tornaram professores excelentes,
muitos dos quais tenho orgulho de manter como amigos. Vez ou outra, por aí,
depois de anos, uma mensagem ou um aceno renovam a relação de cumplicidade que
nos interliga – eu a Maria e aos meus irmãos mais novos, meus primeiros alunos;
eles a mim; eu a seus estudantes, outros alunos que nem conheço. A educação é uma rede de aprendizagens,
uma infinita tessitura de testemunhos e distribuições.
Nessa história de quatro décadas, não encontrei nenhum professor embutido de riquezas ou privilégios acintosos. Todos eram/são árduos trabalhadores, comprometidos com uma causa justa, que resume o ideal da educação comungado por todos: libertar o indivíduo que existe em cada um dos estudantes que o destino traz ao seu encontro. Libertar é um modo de dizer que tudo já está lá para ser aberto, desobstruído. Aprendi isso com Nietzsche. A tarefa do professor não é moldar pedras brutas, dar forma a matérias anormais ou incutir algo importante na cabeça de pobres inocentes. A tarefa do professor é, antes, libertar o espírito dos estudantes para o conhecimento, promover esse acesso, indicar o caminho que eles terão que trilhar sozinhos até o que eles mesmos são. A tarefa do professor é mostrar a cada estudante que ele é um “milagre irrepetível”, um ser “único e original” no qual a boa consciência grita: “Seja único!”, “Seja você mesmo!”. Nietzsche achava que a pedagogia, por isso, era a mais delicada das técnicas, porque envolvia a auto-formação e dela dependia a renovação da cultura. O contrário disso seria uma educação como distorção, uma espécie de tortura, uma sevícia, um martírio, cuja função era preparar para o serviço do Estado e do Mercado. Foi o que Nietzsche chamou de “filisteísmo cultural” e caracterizou como as “forças mais grosseiras e mais malignas”, defendidas “pelo egoísmo dos proprietários e pelos déspotas militares” que levam a cultura ao declínio porque querem ensinar a pensar e a agir como animal de rebanho. Com isso, formam “espíritos bicórneos”, que só olham para a carreira e para o dinheiro. Meus caros, às vezes Nietzsche me soa tão atual!
Nessa história de quatro décadas, não encontrei nenhum professor embutido de riquezas ou privilégios acintosos. Todos eram/são árduos trabalhadores, comprometidos com uma causa justa, que resume o ideal da educação comungado por todos: libertar o indivíduo que existe em cada um dos estudantes que o destino traz ao seu encontro. Libertar é um modo de dizer que tudo já está lá para ser aberto, desobstruído. Aprendi isso com Nietzsche. A tarefa do professor não é moldar pedras brutas, dar forma a matérias anormais ou incutir algo importante na cabeça de pobres inocentes. A tarefa do professor é, antes, libertar o espírito dos estudantes para o conhecimento, promover esse acesso, indicar o caminho que eles terão que trilhar sozinhos até o que eles mesmos são. A tarefa do professor é mostrar a cada estudante que ele é um “milagre irrepetível”, um ser “único e original” no qual a boa consciência grita: “Seja único!”, “Seja você mesmo!”. Nietzsche achava que a pedagogia, por isso, era a mais delicada das técnicas, porque envolvia a auto-formação e dela dependia a renovação da cultura. O contrário disso seria uma educação como distorção, uma espécie de tortura, uma sevícia, um martírio, cuja função era preparar para o serviço do Estado e do Mercado. Foi o que Nietzsche chamou de “filisteísmo cultural” e caracterizou como as “forças mais grosseiras e mais malignas”, defendidas “pelo egoísmo dos proprietários e pelos déspotas militares” que levam a cultura ao declínio porque querem ensinar a pensar e a agir como animal de rebanho. Com isso, formam “espíritos bicórneos”, que só olham para a carreira e para o dinheiro. Meus caros, às vezes Nietzsche me soa tão atual!
Ensinar não é impor modos emprestados e
opiniões postiças. Ensinar é colocar cada indivíduo a salvo da massificação da
cultura, da pobreza do ator pornô, das ameaças do ministro sem legitimidade e
de todas as ignorâncias correntes. Educar é tirar da caverna, de novo e sempre, aquele que está preso.
É praticar, diariamente, essa empresa penosa e arriscada, de “cavar em si mesmo
e descer à força aos poços do próprio ser”, mesmo que ao descer, porque
escolheu descer, aquele que desce seja ferido tão gravemente na descida que
nenhum médico possa curá-lo, a não ser ele mesmo. Eis o risco do conhecimento. Eis
a tarefa do professor.
Agora que é hora de despotismo, a pátria
faz do professor seu algoz. Há razões para isso – e antes de nos
desanimarem, meus caros alunos, elas devem nos lisonjear. Ninguém foi mais enxovalhado
nos últimos tempos do que o professor. Disseram sobre nós o que podiam. Fomos comunistas
por ensinar história, traidores da pátria por provocarmos o pensamento crítico,
rapinantes por ter quarenta dias de férias, vigaristas, trapaceiros, escroques,
bilontras. Vimos a escola voltar aos tempos da ditadura, com vigilância e
perseguição. Fomos agredidos a cassetetes na praça pública, cães e camburões no nosso
encalço. Fomos demitidos, achincalhados, malditos nas redes sociais. Escola sem
partido, MP do Ensino Médio, reforma da previdência, ironias, pulhas de todo
tipo alcançaram a nossa já desgastada imagem. Vocês acham mesmo que não merecemos? Claro que sim! Somos perigosos demais.
Por isso tudo, hoje, quando é dia do
professor, eu me dirijo a vocês alunos: por favor, resistam. Aí nas escolas
ocupadas, resistam. Aí nas salas de aula lotadas, resistam. Aí nos descaminhos
da história, resistam. Não é hora de esmorecimentos. Lembrem: em épocas de
epidemia é que os médicos são mais necessários. Um copo de água há de florir o
deserto. Vocês são essa água. E a gente há de ver brotar essa flor.
Minhas lágrimas escorrem na leitura, obrigada...
ResponderExcluirParabéns! Mensagem perfeita! Vamos a luta! Resistir sempre!! Abraços
ResponderExcluirLindo texto. Parabéns e obrigada.
ResponderExcluirJelson que texto maravilhoso!!! Oxalá todos os professores pudessem lê-lo, bem como os alunos.Parabéns e obrigada por partilhar essa riqueza de reflexão!Um grande abraço.
ResponderExcluirObrigado Macella, Tamyres e Jaci. Partilhamos a mesma emoção e as mesmas esperanças.
ResponderExcluirGislaine, é isso: resistir sempre.
ResponderExcluirQue rico texto! Salve todos os heróis do mundo denominados professores!
ResponderExcluirLindo demais, emocionante...parabéns PROFESSOR
ResponderExcluirObrigado Anita.
ResponderExcluirObrigado Silmara.
ResponderExcluirparabéns no seu dia, professor.
ResponderExcluirestamos juntos!
Parabéns pelo post!
ResponderExcluirPollyanna(diminutarazao.wordpress.com)
Parabéns professor, orgulho ter sido seu aluno e hoje colega de profissão. Vamos a luta e para complementar vou parafrasear legião Urbana: "Não me entrego sem lutar, tenho ainda coração, não aprendi a me render, que caia o inimigo então"...
ResponderExcluirObrigado Daniel. Grande abraço.
ResponderExcluirQuerido JELSON, realmente, temas referentes à Escola, só são destaque quando acompanhados por crime, violência, bullying, greve, ocupação, ou seja, desgraça mesmo! Coloca-se sobre os ombros dos professores (que na maioria das vezes, só têm giz e louça) “todas as dores do mundo”. E os pais que não sabem como criar seus filhos, esperam que os professores possam “dar um jeito”. Ser professor não é uma missão, ou sacerdócio. Se quisesse uma profissão que fosse “santificada”, seria freira, monge budista, e não professora. Tenho paixão pela profissão e como você tenho ótimas lembranças da Escola. Eu acredito muito na capacidade dos meus alunos, sempre falo para eles que são muito mais inteligentes e espertos do que eu quando tinha a idade deles. Desejo de verdade que nossa profissão seja valorizada. Professores como você, nos fazem ter orgulho da profissão. Parabéns! Beijos, KV
ResponderExcluirObrigado Katia querida. Concordo com você. Nada de santidades. Somos profissionais e a ética é parte da nossa obrigação. Beijos.
ResponderExcluirObrigado Polyana.
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