OS NOMES FEIOS DA PRESIDENTE
Feia,
gorda, sapata, vaca velha. Quantos outros nomes feios foram atirados contra a
presidente? Vagabunda, ladra, corrupta. Quantas imagens foram criadas sobre
ela? Fraca, incapaz, incompetente, terrorista, comunista, ateia. Tudo começou
naquela tarde de abertura da Copa do mundo: “Ei, Dilma, vai tomar no cu”,
bradaram os brasileiros que sonham em estudar em Harvard e pagaram altas tarifas
pelos ingressos da partida. Não bastaram as vaias. Foi preciso o palavrão, o
xingamento, a vulgaridade. Depois disso vieram os adesivos de carro: Dilma de
perna aberta sendo estuprada por uma bomba de gasolina. Uma imbecilidade que
beira o distúrbio contaminou muita gente e chegou com êxito impressionante à
Câmara dos Deputados naquela tarde em que o “coronel Carlos Alberto Brilhante
Ustra, o pavor de Dilma Rousseff” foi lembrado, enquanto deputados atuavam como
palhaços da pátria, deixando aparecer suas vergonhas mais infames. Alguém já
disse que Dilma sofreu o maior bullying da história. É verdade. Ela foi insultada
como ninguém na política brasileira. Contra ela sobraram as grosserias
tupiniquins, proclamadas em bom som, indiferentes aos ouvidos das crianças na
sala, a quem ensinamos que podemos não gostar de alguém, desaprovar suas
atitudes, discordar de seus encaminhamentos, mas nunca podemos desrespeitá-lo e
agredi-lo pessoalmente.
Contra
a presidente, a boa educação morreu. Mas o que se disse contra ela é apenas o
sintoma de algo muito mais grave. Os impropérios que lhe foram dirigidos logo
se espalharam como faísca em pólvora seca. Há quem reivindique o direito ao insulto
e ao desaforo. Qualquer um que se dê o trabalho de ler comentários nas redes
sociais ou nas notícias de jornais on-line, haverá de concordar que a
insolência atinge índices alarmantes. O assunto virou até livro: o jornalista
Leonardo Sakamoto acaba de publicar o recomendadíssimo “O que aprendi sendo
xingado na internet”.
O
que está em pauta é a urgência dos bons modos, da gentileza e da cortesia, que
formam parte essencial da chamada “civilidade”, que é o lubrificante mais
eficaz da vida social. O seu contrário é selva, vandalismo e ruína cultural. Há
de se desejar a polidez como arma contra a desordem civilizacional, a fineza contra
o nome feio, a elegância contra o destempero, a educação contra a barbárie. Não
temos alternativa. Segurar uma porta para o próximo passante, pedir desculpas e
dizer obrigado, não abrir uma embalagem no supermercado e deixar o próprio lixo
no lugar adequado, não furar a fila e ceder o banco do ônibus para um idoso, não
são frescura e maricagem, são regras de convivência que tornam possível a vida
em comum. Isso inclui evitar a descompostura das palavras ofensivas contra quem
quer que seja, inclusive contra o chefe máximo do país, qualquer que seja o seu
partido e as suas opções políticas. Contra elas a etiqueta e os costumes
inventaram, ao longo dos tempos, muitas regras cada vez mais oportunas e
fundamentais. Praguejar e desmoralizar uma pessoa só comprova a vileza e a
mediocridade de quem ainda não aprendeu essas regras básicas de educação.
Fiquei
pensando novamente sobre esse assunto quando vi, nos últimos dias, o rosto de
Dilma em vários eventos e entrevistas Brasil afora. Nenhum daqueles xingamentos
fez dela uma vítima chorosa. Ela não padeceu sob consternações e desconsolos
como muitos talvez esperassem. Ao que parece, o lema da sua campanha nunca fez
tanto sentido: Dilma, o “coração valente” transformou a sua suspensão da
presidência em uma forma de reafirmação de seu perfil pessoal e político. Dilma
faz agora o que fez na década de 1970, aquela estudante que foi torturada sobre
um pau-de-arara, apanhou com palmatória, levou choques e socos, por ter
preferido a democracia. Dilma faz, agora, o que devia ter feito mais durante os
últimos anos: viaja o país, articula a chamada esquerda, unifica bandeiras,
encontra-se com sem-terra, mulheres, intelectuais e artistas com invejável desembaraço.
Dilma canta com os pobres, Dilma recebe flores, Dilma se emociona, Dilma é abraçada,
Dilma agita as bases sociais, Dilma fala com a eloquência que nasce do
testemunho, das coisas que parecem mais evidentes do que nunca. Sua avaliação,
segundo as pesquisas, melhorou. Aparentemente a estratégia está dando certo. Dilma
se restabelece no que a política tem de melhor: quando ela não depende de
cargos, concessões e intentonas, mas se efetiva como poder de articulação em
vista do bem comum. Essa é a política que, em qualquer circunstância, ela nunca
deveria renunciar.
Tendo
virado uma alcunha problemática e polemizada em cada esquina, Dilma digere os
nomes feios que lhe são lançados e, sorrindo, recebe flores. Ao que parece, ainda
há tempo para a cortesia.
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