POR QUE O PROFESSOR MERECE APANHAR DA POLÍCIA?
Foto: Daniel Castellano/Agência Gazeta do Povo |
Na República de Curitiba, alguns sórdidos desejos da nação já se
realizam. Há exatamente um ano, o governador do Paraná, Beto Richa e seus
aduladores, colocaram a polícia contra professores e professoras, repetindo com
a mesma repugnância, o que seu colega Álvaro Dias tinha feito em 1988. Embora
as cenas tenham percorrido o mundo, o crime vem sendo cimentado pela
impunidade. Na cabeça desses senhores, o professor merece apanhar. Por que?
* * *
Ele escolheu uma profissão precária. Na porta do banheiro do
bloco onde ele estudou, está escrito – entre ironia e violência – que aquele é
o lugar dos fracassados. Ele não teve capacidade ou dinheiro para ir mais
longe, por isso estacionou na sala de aula, onde aprendeu aos poucos, a manejar
uma triste arte da sobrevivência, em meio às precariedades, que incluem a falta
de materiais, os baixos salários, os desinteresses e as agressividades de uma
sociedade inteira. E por isso, ele aprendeu, desde cedo, a reclamar. E ele
reclama seus direitos até parecer ranzinza. Seus motivos são muitos e somam-se
em um cotidiano que a sociedade, por não saber como enfrentar, prefere omitir.
A escola, aos poucos, torna-se um monumento da indiferença. E quando pública
(desculpem o tom desaforado), um depósito da pobreza - pra que vela muita pra
defunto pouco? Esses meninos nunca serão nada!
Ela levanta cedo. Mora longe. Vai de ônibus ou de carro comprado
a prestação – carnê sempre vencido, no porta-luvas. Vende calcinhas no recreio
para completar a renda. Come a merenda da escola, entre desejo e
arrependimento, quase contra a lei. Ela leva tarefas para casa, aos montes. E lá,
no meio da madrugada, ela perde horas de sono, sem que ninguém veja. Decifra hieróglifos, entre os quais, vez ou
outra, se emociona com elogios. Ela vai em velórios de alunos e ex-alunos sacrificados
pela droga, pelos acidentes do trânsito ou pela violência doméstica. Ela ouve
confissões sem saber o que dizer. Um dia, do nada, um inverno interior lhe tira
o sono. Uma síndrome qualquer. Um medo de não sei o que, uma fobia sem nome, um
nome sem sentido...
Ele merece apanhar porque, como funcionário público, tem
pretensa estabilidade (o PSS garante permanência para alguém?) e custa caro aos
cofres públicos. Muitas vezes sob o aplauso dos fascismos de plantão, ele
merece apanhar porque escolheu fazer parte de uma estrutura agonizante. Assim,
[des]financiada pelo Estado, a escola definha. E porque definha, recebe as pedradas
sociais de todos os lados, inclusive de seus usuários. Invasões, incêndios e
vandalismo são realidades cotidianas que afetam a escola, sem que ninguém se
incomode. A cada noite, depois que a sirene toca e todos voltam pra casa às
pressas, a escola fica mais pobre de si mesma. A contabilidade dos números
segue seu ritmo funesto enquanto seus personagens, os professores, apanham em
praça pública. Nenhum problema nisso. Fizeram por merecer.
Ela atrapalha o mandato dos opressores, para quem o silêncio da vítima
é uma exigência indiscutível. Ela ensina a pensar, quando é preciso calar,
obedecer, baixar a voz, emudecer. Ela fala de direitos humanos e elogia a
democracia, quando é tempo de suspensão; e de tolerância, quando é hora de
agressão. E ensina a coragem, quando é tempo de medo. Seu antípoda, o deputado
que elogia o torturador, é recebido com festa e colhe as bênçãos de seu próprio
deus na “república” em que ela é agredida. Ela, a professora, promove o
pluralismo e outras obsolescências. Não é tempo para isso. Bombas contra ela,
carros, cachorros e cavalos!
Ele aprendeu, desde muito cedo, a se organizar. Paga o sindicato
e, como poucos, participa o quanto pode. Viaja de longe para os atos da
capital, para a cidade que, em meio ao caos, grita contra a incômoda presença.
Melhor teria sido ficar na escola, esse esconderijo do feio, essa prisão do
indesejável. Assim, organizado, ele não receberá homenagem, nenhuma menção
honrosa, nenhum crédito. Quem manda fugir ao estereótipo do “meu mestre, minha
vida”. Não aceitou ser o personagem meloso dos filmes de Hollywood. Ele não
representa bem o papel do mestre milagroso que altera os destinos com talentos
para as artes da comédia. Seu tablado não é palco! Ele não é o ator que
deveria. Ele não é o palhaço que todos desejam. Ao contrário, sua arte cobra
disciplina, rigor, noites sem sono, concentração em exames, provas constantes. Quer a presença da família. Manda recado para os pais que, cansados, não querem saber
dos filhos – pra que, afinal, existe a escola? O professor incomoda. Bomba
nele!
O professor merece apanhar porque não é assim, afinal, que se
constrói um ser humano no mundo contemporâneo. Ele e suas demandas estão fora de moda. Queremos mais graça, mais piada,
mais facebook, mais videogame. Professor: menos aula, por favor!
PS. Triste não é meu texto. Triste é a realidade que levou a ele.
PS. Triste não é meu texto. Triste é a realidade que levou a ele.
Texto brutalmente verdadeiro. Parabéns.
ResponderExcluirMagnifica analogia.
ResponderExcluirSou uma voz que se levanta em meio ao caos , a dor da injustiça contra a humanidade cria em meu coração a resistência para ser aquilo que a vida me propõe : Revolucionário ou profeta ?
ResponderExcluirA resposta : um rio de possibilidades , mas todas com um único proposito " lutar pela vida em todas as suas dimensões"
Ótimo texto professor... Desperta em mim sentimentos ousados.