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Mostrando postagens de maio, 2016

EM ÉPOCA DE CRISE, TODOS QUEREMOS UM BODE EXPIATÓRIO

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Toda crise é uma espécie de ferida. O abscesso cresce e o inchaço precisa ser liberado, para que a dor se amenize. Quando a crise é social, o povo busca uma válvula de escape para evitar a turbulência. A forma mais comum de alívio é a escolha de um bode expiatório, capaz de personalizar a insatisfação popular. Não raro, essa escolha é orientada por ideais higienistas de luta contra a “podridão”, a “imundície que está aí”, o “chiqueiro que virou a república”. Vassouras à mão, o povo quer purificação e limpeza. Para isso, precisa encontrar alguém que encarne todas as culpas e represente todos os desgostos, contra quem ele possa dirigir suas frustrações. No geral, o povo escolhe suas vítimas induzido por discursos ideológicos que começam sutis e fragmentados, mas que se consolidam gradualmente, amparados pelas interpretações forjadas pelos aparatos midiáticos e os interesses políticos que estavam, até então, nas sombras. O povo quer queimar o seu “Judas”. Hipnotizado e sedent

O MACHO NACIONAL E A CULTURA DO ESTUPRO

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Na mesma semana em que o ministro (interino) da educação escolheu como seu conselheiro-mor um ator pornô, cujo discurso e cujos atos representam uma temível faceta do homem nacional, na mesma semana , uma jovem de 16 anos foi estuprada por trinta rapazes no Rio de Janeiro. Sim, o ator, disse o ministro, é um homem normal, comum. E a autoridade não tem “preconceito”. Muitos pensaram o mesmo em relação aos trinta do Rio. Os trinta do Rio pensaram o mesmo de si próprios. Ao receber o ator, o ministro legitimou o personagem, com direito a selfie e tudo. O ministro fez do ator um cidadão comum, um homem “de bem”. Aprovou suas práticas, acolheu suas ideias. Simbolicamente, imputou-lhe valor. Talvez o ministro não tenha se dado conta, mas o ato é uma espécie de recado à sociedade. Ao receber o ator, o ministro fez o mesmo que aquela plateia que o aplaudiu em rede nacional, enquanto ele contava, em detalhes, como estuprou uma mãe-de-santo - finalmente, é o mesmo homem.

CANCELARAM A BOLSA-FAMÍLIA DA D. ISABEL. A "herança maldita" do país é a miséria de sua gente.

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A senhora chegou revoltada no escritório do CRAS (Centro de Referência da Assistência Social). Veio a pé, sol a pino. Vestida de pobreza. Filhos ranhosos a tiracolo. Trazia na voz todas as formas de cansaço. E nos erros de gramática, todo o analfabetismo, a falta de oportunidades, os calos do trabalho que lhe proibiu a escola, os vícios do marido, quem sabe até a violência doméstica. Em seus gestos, a história da escravidão negra, as muitas cercas da fome, os horizontes fechados pela dureza do cotidiano. Embora sua revolta não estivesse bem conjugada verbalmente e seus plurais não refletissem nenhum padrão linguístico - mesmo assim -   ela fora compreendida. O direito ali reclamado parecia essencial, imprescindível, indispensável. Quem ouvisse os impropérios, não deixaria de se emocionar e não teria dúvidas sobre a necessidade vital que envolvia o benefício adquirido e agora, sem mais, cancelado: cortaram-lhe a bolsa família! Vou logo esclarecer: Dona Isabel não vive só di

ACORDAR É DIZER: “EU SOU”, “ESTOU AQUI”, “É AGORA”

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Enquanto sonhava com o namorado morto e deitava-se na neve branca, beijando pela última vez o seu lábio frio, o personagem de Colin Firth no filme de Tom Ford, A sigle man , título do livro homônimo de Christopher Isherwood , acorda de súbito. A tinta preta derramada sobre o lençol branco se estende sobre os lábios trazida pelas mãos que queriam sentir a memória do beijo, enquanto o personagem confessa que a tragédia da morte do amante tem tornado o ato de levantar, uma experiência terrível. Muitos de nós sabemos do que se trata. Enquanto põe os pés no chão e se dá conta de quem é, enquanto deixa a água do banho cair sobre o corpo derreado, enquanto toma coragem para sair, lentamente, e enquanto espera a própria morte, o professor George Falconer retrata muitos de nossos dramas cotidianos. A primeira frase do filme traduz o susto de acordar, a consciência de que o sonho era mesmo só um sonho e que a vida, aqui do outro lado, é o peso da falta da pessoa amada,