TEMER EM CHAPECÓ E O ENTERRO DA DEMOCRACIA







Em algum lugar d’O Príncipe, Maquiavel sugeriu que o poder legítimo vem do povo e que é necessário ao príncipe ter o povo ao seu lado para não sucumbir às adversidades. Na linguagem política do filósofo italiano, isso significa que o poder não vem de Deus e não depende do sangue ou da nobreza que ele evoca. O livro, por isso, é uma espécie de conselho para a aquisição e a manutenção do poder e carrega algumas das afirmações mais importantes da filosofia política moderna.
Temer não veio do povo e, ao que parece, o teme como ninguém e o desconhece como muitos. O atual presidente do Brasil, ao contrário do que prevêm os rituais básicos dos regimes democráticos, não governa com e nem para o povo. Assim, quanto mais passam os dias, mais a sua face ilegítima se fortalece, atiçada pelo afã golpista que o levou ao poder, pela lógica de poder-sem-povo que ele deveria ter recusado, mas que, ao contrário, ele acolheu com impudência. O golpe foi golpe e continua cada vez mais golpe pelo único e mais fundamental de todos os preceitos: ele é uma celebração da impopularidade – tanto de quem saiu quanto de quem entrou. Temer é um desaforado.
Em Chapecó, Temer não iria. Volátil e pressionado pelo seu próprio ridículo, foi. Temer teme a vaia porque teme o povo. Temer se esconde. Faz em sigilo o que todo governo sem povo – como aquele que sobe ao trono pela tirania – também faz. Seu jogo sujo e sua ineficácia não são só frutos de sua incompetência, mas do propósito de alguém que, confessadamente, diz não se importar com a opinião pública. Ora, faça-me um favor! Além dessa afirmação ser incorreta e imatura, ela traduz um perigo pavoroso: os atos de um governo sem povo são atos de um governo contra o povo. Temer é impopular como os seus atos e, ao contrário do que poderia parecer, é essa impopularidade que parece impulsioná-lo e torná-lo cada vez mais perigoso, afinal ele precisa continuar a traquinagem que lhe foi exigida. Sem povo, Temer e sua trupe estão livres para implantar o que o país não discutiu, o que o povo não quer, o que a gente não aceita. Temer é um delinquente cuja causa se esboroa a cada aparição pública, para o delírio de quem deseja “sangrá-lo”, como fizeram com sua antecessora. Não é à toa que nenhum dado econômico tem demonstrado melhora até agora. Não é para isso que ele está lá. Temer precisa terminar o serviço sujo. Ele não pode ser o salvador. Invertendo a mensagem do profeta bíblico do deserto, sua missão é aplainar os caminhos para a chegada de um redentor que não é ele.
Por não falar em Chapecó, diante da dor de um país inteiro, o presidente esvaneceu de novo o princípio democrático que ele mesmo não sabe respeitar. Temer não falou porque não tem o que falar e porque não suporta ver de frente, o delito que ele mesmo praticou. E isso o torna especialmente livre para levar adiante o seu plano de desmantelamento dos direitos sociais e de entrega do país às elites que, desde sempre, aqui, odeiam o povo – quando não o escravizam pra valer. Por não falar em Chapecó, Temer continua impedindo que os brasileiros se manifestem. A essência do golpe é o obstáculo de Temer: a negação do poder do povo. O Brasil está órfão de governo. Temer e seus comparsas, ao que parece, não se interessam. Basta-lhes os jantares pomposos, sem o mínimo de pão e circo. Seu mal é um absolutismo tupiniquim desacorçoado que se abastece com seu próprio veneno. Por isso, no caso da pretensa democracia brasileira, quanto menos povo, pior. Em Chapecó, Temer enterrou a democracia mais uma vez. E voltou para casa antes da hora, apressado, com aquele olhar impávido carregado de mesóclises, esse aparato quase sem elegância da falsa correção linguística que nele, pelo exagero, soa enfadonho. Temer, teme-lo-emos, mesmo calado.
Muitos falam em unir o Brasil. Temer também falou. Não há união onde não houver o que os sistemas políticos modernos chamam de processo eleitoral: formulação e apresentação de proposta, campanha de rua, voto em urna e avaliação constante. Trata-se do mínimo, do pouco, do quase nada que restou à democracia nos tempos neoliberais globalizados que nos cabem. Eleições diretas, já.





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