UM ELOGIO À BICICLETA
Foto: Matt Slocum / AP |
Entre
os vários acertos da cerimônia de abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro, a
bicicleta florida conduzindo as delegações foi o principal. Não só pela
beleza da alegoria, sua brasileirice, o efeito alegre e divertido que produziu, mas pela
mensagem política e ambiental que portava. A bicicleta foi, na cerimônia, o que é na vida
real: uma solução simples, barata, bonita. Um meio de transporte sempre à mão,
para gentes e produtos de todo tipo. Um dos primeiros presentes de liberdade às crianças. Na minha infância, o leite chegava de
bicicleta, as verduras, o gás, a caixa de refrigerantes e até umas joias da minha
mãe, vendidas pelo seu Raimundo, que trazia seus ouros cuidadosamente embrulhados
em um pano preto, na traseira de uma magrela. Meu primeiro relógio foi transportado assim. Desde então, os modelos evoluíram
muito. Estão mais leves, mais práticos e mais bonitos, mais charmosos e
desejáveis. Há bicicletas de grife, bicicletas dobráveis, com capote, de três
rodas, elétricas, semielétricas, semibicicletas. No Maracanã, coloridas com
flores e frutos, viraram objeto de desejo e sua elegância estética concorreu
com a perfeição da Gisele desfilando sobre as curvas do Niemeyer, “num doce
balanço a caminho do mar”. Todos revivemos, assim, diante de tanta beleza aquela dúvida existencial tipicamente brasileira: "não sei se caso ou compro uma bicicleta".
Sim, a bicicleta é o ser mais fotogênico que
existe. De frente é só um risco. Tem a magreza das modelos mais aclamadas. De
lado, tem a circularidade de dois pomos desejáveis. E por meio dela, homem e
máquina se redimem. Diferente de todas as outras ferrarias, desde que foi
inventada, na China, há dois mil e quinhentos anos, ela é movida pela energia mais
saudável de todas, a força humana. Nada de gases poluentes, aquecimento global,
efeito estufa. Não. A bicicleta é uma celebração de saúde, receita de alegria,
juventude, qualidade de vida. Repare nas pessoas que pedalaram no Maracanã,
muitas das quais coalharam as redes sociais de elogios por sua beleza. Sobraram pernas, coxas e abdominais, boa
articulação de músculos e tendões, metabolismo acelerado, baixo colesterol, ótima
frequência cardíaca. À frente da delegação brasileira, Lea T foi uma das cinco transexuais
que fizeram da bicicleta, um elogio à diversidade: bicicleta todo mundo anda,
não importa o gênero, a cor da pele, a situação bancária, a idade. A bicicleta
é um elogio à democracia, justamente agora em que as pedaladas da presidente
são motivo de contenda. Por isso, nada mais justo que, enquanto o interino era
vaiado, a bicicleta passasse florida, com a cara do Brasil. Aquilo foi um ato
político.
A
bicicleta é a máquina mais perfeita criada pelo homem. Quando ela passa, até o
14 Bis abre caminho. Aliás, os primeiros experimentos de Santos Dumont para dar
voo a suas maquinarias, utilizaram um aro de bicicleta e propulsão por pedais. Sim,
meus senhores: a bicicleta é a mãe do avião. E diante dela, o uso do carro
passa a ser um tipo de incômodo e até mesmo uma vergonha. A gente se dá conta
de que sentar dentro de uma lata cheia de parafusos e ruelas para ir ao
supermercado é, além de desnecessário, ridículo. No trajeto, escapamentos,
congestionamentos, acidentes e mortes. A coisa é tão óbvia, que várias cidades
do mundo estão se reorganizando em função da viabilidade da calanga. Amsterdã
se deixou coalhar por bikes de todo tipo. Paris, Londres e tantas outras
aumentam suas redes de ciclovias e promovem semanalmente eventos de apoio e
divulgação do ciclismo.
A
mensagem ambiental da cerimônia não poderia ter outro símbolo. O Brasil mostrou
ao mundo a diversão da bicicleta e sua viabilidade ambiental. Que venham, agora,
medidas de incentivo ao uso dessas belezuras em nosso dia-a-dia: retirar os
impostos para baratear o custo, aumentar as ciclovias e a segurança e,
principalmente, realizar campanhas educativas que convençam a todos (especialmente
os motoristas) que andar de bicicleta não é um crime e que o ciclista não está
atrapalhando o trânsito e que, por isso, ele merece respeito e admiração. Quando
vejo um ciclista, tenho vontade de aplaudir. Ciclistas do Brasil, “aquele
abraço!”. Pra vocês a canção de Toquinho, na sua Bicicleta:
Sou eu que te levo pelos parques a correr,
Te ajudo a crescer e em duas rodas deslizar.
Em cima de mim o mundo fica à sua mercê
Você roda em mim e o mundo embaixo de você.
Corpo ao vento, pensamento solto pelo ar,
Pra isso acontecer basta você me pedalar.
B-I-C-I-C-L-E-T-A
Sou sua amiga bicicleta.
Sou eu que te faço companhia por aí,
Entre ruas, avenidas, na beira do mar.
Eu vou com você comprar e te ajudo a curtir
Picolés, chicletes, figurinhas e gibis.
Rodo a roda e o tempo roda e é hora de voltar,
Pra isso acontecer basta você me pedalar.
B-I-C-I-C-L-E-T-A
Sou sua amiga bicicleta.
Faz bem pouco tempo entrei na moda pra valer,
Os executivos me procuram sem parar.
Todo mundo vive preocupado em emagrecer,
Até mesmo teus pais resolveram me adotar.
Muita gente ultimamente vem me pedalar
Mas de um jeito estranho que eu não saio do lugar.
B-I-C-I-C-L-E-T-A
Sou sua amiga bicicleta.
Muito bem Jelson, parabéns! Ótimas considerações, a cara do Brasil!
ResponderExcluirMuito bem Jelson, parabéns! Ótimas considerações, a cara do Brasil!
ResponderExcluirObrigado Fabiana. Um abraço pra você.
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